Atravessou o saguão apressada, o elevador marcava oito e já que não poderia esperar, subiu o lance de escadas até o quarto andar. Seu filho, que brincava na sala, presenciou o semblante de horror da mulher ofegante que sem dizer nada entrou em seu quarto, bateu a porta e recostou-se sobre ela. Fechando os olhos, esperou que a respiração se normalizasse. Ainda abraçando aquele pacote começou a reviver o estranho fato:
Por volta das 15:00 horas, após pagar as contas da casa, aguardava na calçada para atravessar a Avenida Vereador Abel Ferreira.
Verde…… amarelo……
De repente foi puxada, não podia virar-se, seu braço era segurado de forma firme enquanto a voz masculina a guiava, pedindo que não gritasse e continuasse em frente.
Sempre em frente…
Obedecia, estava em pânico sem saber o que a esperava. Seria assaltada, estuprada, qual seria a arma?
“Meu Deus”.
De sua testa escorria suor, as mão geladas, coração acelerado, respiração extenuante.
No local, recebeu ordens pra que entrasse. Era um prédio velho e sujo, onde funcionava um bar cheio de bêbados, com algumas risadas femininas pairando no ar e uns mendigos povoando a calçada. Subiu as escadas em direção ao segundo andar, um cheiro ruim, sentiu o estômago embrulhar.
Lembrou-se dela, enquanto atravessava aquele corredor desviando de um homem sujo que dormia, lembrou-se da vida idealizada que ela fazia, perfeita desde que se casou, mesmo que isso às vezes lhe custasse caro, lembrou-se de coisas que ela escondia dela mesma em seus porões e que às vezes, durante seus sonhos, tentavam subir até a superfície através de símbolos que ela ignorava.
E agora, vivia um de seus piores pesadelos.
Voltou de seu devaneio quando a porta foi aberta, um local arrumado, diferente do que tinha visto até então, um círculo desenhado de giz no assoalho e um altar. Sentiu a pressão causada por uma pancada na cabeça e apagou.
Olhou para o teto branco daquele quarto enquanto recobrava a consciência, piscou algumas vezes, até que o homem virou-se para ela e enfim pode vê-lo. Ele sorriu.
– Há quanto tempo estou aqui? – Perguntou um pouco amedrontada.
-Umas duas horas
Notou a cicatriz na face daquele homem, seus traços largos e um olhar penetrante, enquanto o homem lhe sorria de forma cínica.
-O que houve comigo?
Dessa vez o homem misterioso respondeu de forma séria:
-Você nunca mais será a mesma, agora está livre para poder ir.
-Não sem antes me dizer o que houve aqui – Falou com voz tremula enquanto se observava.
Tudo nela estava absolutamente normal: suas vestimentas; não estava machucada, fora a pressão pela pancada não sentia mais nenhuma dor. Levantou-se, apressada, olhou pela janela do quarto e notou que estava começando a escurecer, era noite de lua cheia, uma bela lua vermelha! Pelo horário ficou preocupada.
Caminhou até a sala, estava tudo arrumado. Um apartamento pequeno com uma bela mobília, tudo extremamente organizado: os livros na estante; a cozinha. Notou que o altar e o círculo haviam sumido. “Teria eu sonhado?” Perguntou-se um pouco confusa.
– O que aconteceu comigo, o que fez comigo? – Dessa vez de forma firme.
O homem com aparência fria veio caminhando em sua direção segurando um pacote. Entregou-lhe e passou as instruções:
-Você saberá o que houve, mas não aqui e não agora, as respostas estão aqui dentro, você só poderá abri-lo quando chegar em sua casa, sozinha em seu quarto, não próximo a ninguém, não na rua. Se abrir perto de alguém, você e as pessoas próximas correrão perigo.
Ficou assustada e gelou, estava confusa, apenas pegou o pacote muito curiosa e saiu.
O prédio agora estava lotado, já havia anoitecido, passou pelo bar cheio, ouviu alguns gracejos, sentiu medo de andar por aquelas ruas perigosas. A noite estava linda, bela e quente noite de primavera. Olhou o celular várias ligações perdidas de seu marido, quem acreditaria nela? Estava curiosa, não via a hora de chegar e descobrir o que acontecerá com ela, sua nuca doía. Sentiu medo ao andar por aquele bairro estranho, pessoas estranhas.
Chegou em um ponto de táxi, o taxista percebeu seu semblante e perguntou se estava tudo bem com ela, apenas acenou que sim com a cabeça.
-Pra aonde senhora?
-Bairro da Canastra, Olavo Bilac 65.
Sentiu-se tentada a abrir aquele pacote, o que teria? Sentiu um calor vindo dele, parecia que se mexia, será um bicho? “Meu Deus que nojo, um bicho, será, pensou”. O transito não colaborava, enfim chegou. Deu uma nota de cinquenta e nem quis pegar o troco.
Atravessou o saguão apressada….
– Mamãe, mamãe, tudo bem? – Seu filho batia na porta naquele instante.
-Calma, mamãe já vai!
Ficou de joelhos no meio do quarto, estava com medo, suas mãos começaram a abrir o pacote:
Um espelho e os dizeres “Vos can stillabunt me”
Mal terminou de pronunciar em voz alta e a imagem de uma bruxa saltou do espelho lhe entrando como um sopro pelas narinas.
Levantou-se, olhou para o espelho e sorriu para sua imagem, tão igual, mas tão diferente! Esboçou sorriso sensual, jogou os cabelos para o lado, alcançou um batom vermelho passou em seus lábios, abriu a porta e foi preparar o jantar para sua família.
Seria a bruxa alguma entidade do mal, ou seria apenas um traço escondido de sua personalidade que ele – aquele homem misterioso – havia capitado?
Bem, não sei dizer, nem a própria protagonista sabe. Mas uma coisa é certa, desde aquele dia ela nunca mais foi a mesma!
Cecília Micheleto