O texto que se segue é uma tradução do artigo publicado no blog “Orthosphere” ( https://orthosphere.wordpress.com/2019/10/02/the-wonderful-horrible-integrity-of-the-world/ ). Importante ressaltar que numa tradução alguns elementos são perdidos, algumas expressões que o autor quis passar podem deixar de fazer sentido, assim como algumas palavras deixarem de se encaixar no corpo do texto, sendo o trabalho do tradutor encontrar a melhor forma de manter a integridade original. Entretanto, como não tenho o costume de traduzir textos, ensaios ou artigos acadêmicos, algumas passagens talvez sejam de difícil entendimento, devido apenas à minha falta de habilidade no momento da tradução. Também mantive alguns termos em latim, usados pelo próprio autor, em uma tentativa de mantar a fluidez original do texto.
Ressalvas à parte, digo que a tradução não faz jus à totalidade da mensagem passada. Ainda assim, espero que os ditos do autor ressoem no leitor através dessa tradução do mesmo modo que ressoaram em mim, quando li o artigo pela primeira vez. Fiz essa tradução porque achei que mais pessoas deveriam ler e se espantar com o raciocínio da mesma maneira com que me espantei. Enfim, ao texto!
Horror: … Do latim horror, “pavor, veneração, espanto religioso”…
O que é verdadeiro em alguma hora e lugar específicos é verdadeiro em todos os outros. A verdade é algo não-local, instantâneo, ubíquo.
Isso é óbvio se tratando das verdades eternas e a priori, como as verdades matemáticas, físicas, e assim em diante.
Mas também é dessa forma para as verdades a posteriori, assim como para as a priori.
Ora, pois, que eu tenha ido à Missa no Domingo de manhã é algo verdadeiro através de toda história do nosso cosmos, tal como uma característica dele próprio, de seu começo até seu final, assim que o fato aconteceu. A partir do momento que eu cheguei à Missa, todos os futuros do nosso cosmos que não continham a atualização daquela chegada fática – assim como todos os passados que levavam àqueles futuros – se fecharam instantaneamente, tornando-se impossíveis, pois são impossíveis de existirem com a atualidade da minha chegada à Missa naquela manhã. E isso foi dessa forma através de toda a história espacial e temporal extensa do nosso cosmos.
E, na verdade, através da história de todos os outros (cosmos).
Um fato que se dê em um universo é um fato de todos cosmoi, mesmo que, sendo outro cosmoi, ambos não tenham nenhuma interação. Isso, pois, um fato é um fato: um fato em qualquer cosmos é então, ipso facto, um fato reconhecido através e pela mente da Onisciência, não podendo ser sob nenhuma circunstância algo que não si mesmo, através de toda extensão infinita da Onisciência acima e abaixo e através de todos os mundos em todas as suas possíveis instâncias; o que equivale a dizer, através de toda extensão temporal e espacial possível.
O que a Onisciência sabe que ocorreu factualmente em qualquer lugar é estabelecido, em virtude deste mesmo conhecimento, como um fato verdadeiro em qualquer local espaço-temporal de todos os mundos possíveis. Ou seja, o que é um fato em qualquer lugar, é um fato em todo lugar.
Então, graças a Onisciência do Eterno, o fato de eu ter ido à Missa Dominical de manhã é um fato eterno. É um fato diante de, e consequentemente, para todos os mundos possíveis.
Adendo: É dessa forma que Jesus de Nazaré conseguiu andar no Eden com Adão, sentindo a leveza do dia. E é dessa forma que a sexta-feira da paixão e a páscoa são participadas em todas e por todas as Missas. Também é através dessa forma que a hóstia é transubstanciada; é o modo pelo qual Deus é Encarnado; é dessa forma que a Igreja é o Corpo de Deus; é assim que Sua voz clara e sútil soa dentro de ti como seu amor mais profundo e verdadeiro.
Essas são algumas conclusões bem precipitadas. Eu preencherei as lacunas de meu raciocínio, se alguém estiver interessado.
Adendo: A anamnese platônica é baseada nessa realidade: na realidade fática de cada evento em toda uma cosmogonia de eventos; uma realidade única para cada evento que, dentre todos os outros, é obtida e vivida em virtude da integridade conjunta da própria cosmogonia. Causação é relembrar.
Logo, de particular interesse é o fato de que um evento em Alpha Centauri (outro Sistema Solar), que ocorreu enquanto eu estava na Missa Dominical de manhã às onze horas, não poderia ter ocorrido de qualquer outra forma que resultasse em algum estado futuro divergente dos acontecimentos daquele Domingo de manhã.
A linha mundano-temporal que se estende a partir do evento hipotético em Alpha Centauri nesse mesmo domingo de manhã deve, eventualmente, se entrelaçar de uma maneira límpida, perfeita, inteligível, ordenada, compossível, em uma relação não proposital com a linha mundano-temporal que se estende ao futuro a partir da minha chegada à Igreja, naquela mesma manhã.
Em outras palavras, os eventos da Alpha Centauri no Domingo de manhã, às 11:01, devem, enquanto se desenrolam no Ser, reconhecer o fato da minha chegada um minuto antes na Missa na Igreja de São Dominique em São Francisco, para só assim eles eventualmente desembocarem no mesmo futuro integral, seja em dois ou mais anos a partir daquele momento, em que não haja nenhum conflito temporal entre o que quer que tenha acontecido dois anos no passado, tanto na Igreja de São Dominique quanto em Alpha Centauri.
Agora, isso implica que tudo o que tenha acontecido na Capela no Domingo de manhã deve ter reconhecido o que tinha acabado de acontecer em Alpha Centauri um nanosegundo antes, e vice-versa. De nenhuma outra forma as linhas mundano-temporais que se estendem destes dois loci teriam sido capazes de se encontrarem e concordarem uma com a outra em qualquer ponto futuro. De nenhuma outra forma essas linhas mundano-temporais seriam capazes até mesmo de se cruzarem. Logo, de nenhuma outra forma um mundo coerente poderia ser factual, a menos que a luz de cada locus encontre a outra, daqui a quatro anos.
Se as linhas mundano-temporais de ambos os eventos não concordarem uma com a outra, começando a partir daquela manhã, então em quatro anos elas especificarão dois cosmoi – universos, realidades cósmicas – totalmente diferentes. Em um deles, Alpha Centauri existiria, mas o Sol não; no outro, o Sol existiria, mas não Alpha Centauri.
A luz de um nunca encontraria a luz do outro. Essa falha se repetiria em relação a todas as luzes, quaisquer que sejam.
Nesse exato momento, nós vivemos em um mundo em que tanto o Sol quanto Alpha Centauri existem. Isso não seria possível, não tivessem seus loci sido informados quatro anos atrás sobre o que estava então acontecendo em cada um, para cada um. Somente se seus movimentos estivessem em perfeita concordância – naquele momento indefinido no passado – nós podemos encontra-los concordando um com o outro, no presente atual. Só assim, pois, presenciamos e contemplamos ambos os eventos, de qualquer forma possível.
Alpha Centauri e Sol devem, então, sempre reconhecer instantaneamente o estado passado imediato do outro para que só assim possam arranjar suas próprias atualidades de uma maneira tal que ambas as linhas mundano-temporais que levam ao futuro vinda dos dois loci diferentes possam, enfim, se encontrar, juntas, em qualquer lugar, ordenadamente, coordenadamente, coerentemente, inteligivelmente. Sempre levarão quatro anos para a luz de uma dessas estrelas encontrar a luz da outra. Mas, caso elas não estivessem já de antemão ordenadas pela mesma ordem transcendente, nenhuma das duas luzes poderia jamais encontrar a outra, de qualquer maneira que seja.
Nesse caso, elas não poderiam existir nem no mesmo cosmos.
Nesse caso, nós não poderíamos apreender Alpha Centauri – ou seja, não poderíamos comtemplar sequer sua existência. Nem Alpha Centauri poderia apreender-nos. Nesse caso, não haveria nem estrelas. Não que seriamos capazes de vê-las, de qualquer maneira.
Nós vemos estrelas, então sabemos que o momento presente foi ordenado – arranjado – milhões de anos atrás, ou melhor, antes mesmo do próprio tempo.
A contínua coerência do mundo, então – através de qualquer linha mundano-temporal que seja – depende crucialmente da presença não-local, instantânea, de informação. De *toda* informação, sobre o que quer que tenha acontecido nas outras linhas mundano-temporais.
Resumindo, não há nenhuma maneira de obter um mundo coerente a menos que todo instante do devir seja instantaneamente aprovado por todos os instantes anteriores, e mais ainda – essa é a pequena parte chocante, maravilhosa, quiçá horrorosa – que todos esses instantes estejam ordenados a um futuro coerente em que todas as linhas mundano-temporais continuamente e consistentemente se interceptam, resultando em uma unidade perfeitamente compossível de novo e de novo, repetidamente, através de toda uma cosmogonia.
Cada ato provindo da criação deve estar voltado, mais ou menos, imaculadamente a um futuro integralmente desconhecido, do contrário não haveria mundo.
Há um mundo, ergo, etc.
Saibamos, pois, que todos os instantes do tempo ocorrem primeiramente na eternidade.
Tal é a física da Providência.
Ora, reflita sobre isso. O movimento daquela folha naquela árvore distante que acabou de acontecer? Ele tinha de ter sabido e apropriadamente conhecido, antes do movimento ocorrer ou até mesmo da própria folha vir a ser, sobre o seu desapontamento anos atrás a respeito daquela garota, e sobre o que o seu professor fez que te deixou ultrajado, e sobre sua vitória no parquinho.
Se a folha não soubesse sobre você e a garota, o professor, e o parquinho, ela não poderia habitar o mesmo cosmos que você.
Então, nada é perdido ou esquecido. Isso não apenas para a Onisciência, mas para qualquer ocasião ordinária da Criação; é uma condição prévia para que a própria ocasião se dê no vir a ser. Tudo é e deve ser contemplado, completamente, por qualquer outra coisa nesse mundo. De nenhuma outra maneira qualquer mundo viria a ser, ou então, qualquer parte de qualquer mundo.
O mundo, então, através de toda sua extensão temporal, é uma integridade.
Note, pois, a consideração final. Aquela que eu consigo tirar disso tudo: o eschaton de cada mundo é integral com toda sua história. Se as coisas resultassem de uma maneira diferente de seus respectivos modos de ser até o momento, esse cosmos sequer poderia seguir seu caminho eventual até sua absoluta redenção, resgate e restauração. Que esse mundo é real, então, nos mostra que ele está ultimamente destinado para uma nova e eterna vida, no seu próprio e designado céu.
Logo, de ulterior importância para nós hoje: nada do nosso sofrimento presente é vão ou uma perda. Tudo que tivemos que passar, tudo que carregamos no momento, e que com certeza carregaremos no futuro, é de alguma forma, no final de tudo, algo crítico – de suma importância – ao resgate do cosmos.
Nada é estranho, nada é desamparado ou sem sentido, ou até mesmo estúpido. Então, concluindo o raciocínio de uma maneira direta e por um simples processo de eliminação: tudo o que acontece, que inelutavelmente devemos carregar e sofrer – e sim, nos regozijarmos – é de alguma forma … grande, nobre, bonito, ergo digno; e, claro, algo não necessário, mas ainda assim uma adição amável ao que deve ser absolutamente, sendo superlativo, supererrogatório, excedente, sublime: terrivelmente maravilhoso.
Creatura não é necessária. É um bem infinito justaposto e adicionado por, e para, o Bem Infinito em si mesmo.
Fique, portanto, confortado nisso. Deus sabe como tudo isso aqui termina, mesmo que você não saiba. De agora em diante, à luta; e que cada homem faça sua parte, em confidência, e em solidariedade mútua com todos os seus irmãos na Criação.
Ora, e essa pequena mudança na fase cultural pela qual estamos prestes a passar e a sofrer, conquanto a mortífera e moribunda ordem liberal advinda do Iluminismo se esvai, paralisada e confusa pelas suas próprias contradições, e em um paradoxo de violência e confusão é superada por algum tipo de “Nova Ordem”? Nada demais. Assim é a história, sempre.
Rumo, então, à morte.
Todas as coisas morrem, no fim das contas. De nenhuma outra forma elas poderão encontrar suas particulares ressurreições.
Morte, então! Morte! Morte! Deus vult!
Texto escrito por Kristor
Tradução: Renan Vieira